O papel da pessoa que facilita processos de Transformação de Conflitos

por Cida Medeiros

Quais cuidados e premissas o agente de paz, transformador de conflitos, ou termo afim, deve levar em consideração quando estiver diante das pessoas ou grupos com quem vai trabalhar?

Essa é uma das perguntas que norteiam as pesquisas e práticas que temos realizado nos estudos de transformação de conflitos e estudos de paz. 

Honrando cada profissional, cada pessoa voluntária que vem desempenhando importante papel em nossa sociedade, considero importante refletir sobre qual apoio que podem ter profissionais que desejam realizar um trabalho com sentido, congruente com valores humanos universais, dentro de repartições do sistema de justiça, mas não somente (por exemplo, lideranças comunitárias, profissionais da educação, de RH – Recursos Humanos e de Responsabilidade Social nas empresas)?

O aumento de oferta de formação para atuação no trabalho de conflito tem crescido, porém como suas causas estão ligadas a diversos fatores sistêmicos, estas formações relacionam-se em geral a alguns métodos – como práticas de justiça restaurativa e comunicação não violenta especialmente, quando na realidade poderiam se ampliar para oferecer recursos e preparo interno e de conhecimento da dinâmica da vida de forma mais ampla – sendo o trabalho com as emoções um dos mais importantes – para buscar atender carências das próprias pessoas que facilitam esses processos. São necessidades muitas vezes ligadas a traumas não trabalhados no passado ou desconhecidos. Aprender a lidar com os impactos da desigualdade que geram na superfície os conflitos, porém provêm da falta de acesso a conhecimentos e meios de compreender a saber escolher como é possível viver uma vida que promova bem-estar.

Em outras palavras, antes de ser uma pessoa profissional se apropriar somos seres humanos das nossas histórias, nossos traumas, nossas experiências de vida. Como então nos prepararmos para interagir com outras pessoas carregando nossas incongruências, nossa ignorância a respeito de nós mesmas e do mundo, nosso espanto pela beleza e infinitas possibilidades da vida? Nos preparamos desta forma?

O que motiva a pessoa que facilita processos de transformação de conflito? Penso que a motivação de profissionais ao quererem estudar e aplicar esses conhecimentos, mesmo com formação superficial, venha do seu senso de urgência, compromisso com seu senso de bem-estar social, solidariedade e sua ligação com as pessoas comuns que as cercam – seja buscando entender a população e suas demandas (pais e alunos, vítimas e ofensores, colegas de trabalho), como é a minha própria motivação ao participar de projetos em varas de execução penal, em escolas ou com lideranças comunitárias. O que me preocupa é o preparo que se deve ter para lidar com pessoas cada vez mais vulneráveis, em sistemas cada vez mais complexos e conflituosos, facilitadores e agentes que em geral não trabalham seu próprio equilíbrio emocional e têm de lidar com esse universo da forma como conseguem, às vezes mitigando minimamente ou em alguns casos aprofundando os danos. Descubro cotidianamente errando e acertando, aqui e ali, que esse universo não é necessariamente uma prestação de serviço unilateral, a qualidade da relação, do nível de presença e da conexão importam cada vez mais – e principalmente sua qualidade. 

Os saberes da Cultura de Paz são imensos e felizmente tanto a cátedra, instituições, pesquisadores vêm ampliando pesquisas e derivações de achados, o que permite conhecer melhor cada especificidade, tanto saber escolher como direcionar cada necessidade ao melhor destino possível, respeitando cada pessoa, não deixando ninguém para trás como aprendo cotidianamente na Soka Gakkai, a organização budista à qual pertenço há 52 anos, por meio das orientações preciosas de Daisaku Ikeda. Ele exalta a força e importância do diálogo no encontro de vida a vida da forma mais autêntica possível e o trabalho de revolução humana individual para isso. Mesmo nestes tempos virtuais é possível perceber essa importância da conexão humana interessada verdadeiramente na outra pessoa e acredito que tem sido essa uma das importantes bases que têm cultivado minha forma de atuação no mundo. Com isso sei que uma pessoa facilitadora, uma agente de paz, é o que ela é, o que a constitui – em geral uma pessoa abnegada, porém considero que o investimento em seu próprio desenvolvimento humano seja um ponto muito importante para contribuir a estabelecer novos critérios de como tratar conflitos e formar uma cultura verdadeiramente compassiva.  

O exercício é cotidiano. Os desafios também. Espero que estudos futuros possam dar conta de como seria a formação ideal para quem deseja trilhar esse caminho, começando agora. Esta pós-graduação dá pistas vigorosas, oferecendo teoria e práticas neste sentido e é uma preciosidade que nosso país pode contar.

Cida Medeiros é jornalista e facilitadora de processos de construção de paz. Fez a pós-graduação Transformação de Conflitos, Estudos de Paz com Ênfase no Equilíbrio Emocional em 2020.

(texto baseado no conteúdo desenvolvido pela autora para o trabalho de conclusão do curso de Transformação de Conflitos, Estudos de Paz com Ênfase no Equilíbrio Emocional, 2020, promovido pelo Instituto Paz e Mente.) 


Convidamos você a assistir a Live sobre O Papel da Pessoa que Facilita com Cida Medeiros, já disponível em nosso canal.