O surgimento dos Estudos de Paz e Conflito (EPC): o que as mudanças culturais, psicológicas e a pós-modernidade têm a ver com isso?

Os Estudos de Paz e Conflito (EPC), como um campo definido de estudo e prática, tiveram início com a fundação dos primeiros institutos de pesquisa de paz, como o Peace Research Institute de Oslo, na Noruega, o Department of Peace and Conflict Research na Uppsala University, na Suécia, e o Stockholm International Peace Research Institute, também na Suécia, nos anos 1950-1960. Por exemplo, as primeiras faculdades baseadas no campo, nos EUA, foram associadas a igrejas históricas de paz, como Quaker, Mennonite e a Church of the Brethren (The University of Notre Dame, 2018). 

Prédio sede do Peace Research Institute Oslo (PRIO), na Noruega.

Prédio sede do Peace Research Institute Oslo (PRIO), na Noruega.

O número de programas acadêmicos em estudos de paz cresceu substancialmente em todas as partes do mundo como uma resposta às necessidades humanas de investigar nossas relações e quem somos. Porém, para que isso pudesse acontecer, diversos movimentos precisaram ganhar espaço em nossa sociedade para criar o ambiente propício para os estudos florescerem. 

 Os EPC surgiram a partir das mudanças culturais, filosóficas e científicas mais amplas do movimento pós-moderno. A pós-modernidade pode ser vista como uma reação à perda de fé nos antigos sistemas de significado ou grandes narrativas, que há muito moldam nossa compreensão do mundo. Já não é certo que determinada religião nos entregará o paraíso, ou que podemos manter, por meio do progresso científico e do desenvolvimento material, uma utopia pacífica. A própria noção da existência da verdade foi questionada quando o papel da interpretação na compreensão da verdade tornou-se cada vez mais aparente. A verdade converteu-se em uma questão de perspectiva moldada por ampla gama de forças interseccionais. Ficou mais preciso falar de verdades em sua pluralidade, em vez de qualquer verdade singular de transcendência. Esse foco na pluralidade e relatividade das verdades deu origem a muitos campos de investigação crítica, incluindo os Estudos de Paz e Conflito.

A Psicologia Humanista também desempenhou um papel crítico no desenvolvimento dos Estudos de Paz e Conflito, já que ambos têm origens comuns no pensamento pós-moderno. Essa abordagem da psicologia baseia-se nas obras de Abraham Maslow, Carl Rogers, Virginia Satir, Fritz Perls e outros. O desenvolvimento da Psicologia Humanista também foi profundamente influenciado pelo Instituto Esalen de Big Sur, na Califórnia, que foi fundado na década de 1960 e exerceu papel fundamental no Movimento do Potencial Humano. Trata-se de uma abordagem holística que enfatiza o impulso individual para a autorrealização, que Carl Rogers, em 1953, definiu como a “tendência direcional para frente […] a urgência evidente em toda a vida orgânica e humana – de expandir, estender, tornar-se autônoma, desenvolver-se, amadurecer – a tendência de expressar e ativar todas as capacidades do eu”. 

Na Psicologia Humanista, a autoatualização e o desenvolvimento da autoconsciência são necessários para transformar o comportamento e os estados mentais. Em seus trabalhos, Adam Curle articulou a paz e o conflito como fenômenos inerentemente relacionais enraizados em processos de comunicação (verbal, não verbal e simbólica), integrando a Psicologia Humanista e os estudos de paz. Com suas raízes no pensamento fenomenológico e existencialista, a Psicologia Humanista enfatiza as abordagens da terapia centradas na pessoa que buscam explorar a capacidade dos indivíduos de compreender seu desenvolvimento. Ao reconhecer a importância da experiência subjetiva em moldar o significado individual, a Psicologia Humanista permitiu a inclusão da dimensão espiritual da existência humana e, assim, preparou o terreno para o surgimento da Psicologia Transpessoal.

O professor Adam Curle a frente de alguns dos primeiros acadêmicos em Estudos de Paz.

O professor Adam Curle a frente de alguns dos primeiros acadêmicos em Estudos de Paz.

A Psicologia Transpessoal é um ramo da psicologia humanista que se concentra em experiências espirituais ou transcendentais e que se baseia no trabalho de Maslow e Stanislav Grof. Segundo Wolfgang Dietrich (detentor da Cátedra da UNESCO em Estudos de Paz e Conflito, Conselheiro de nossos programas no Brasil, facilitador da nossa Pós-Graduação da Paz & Mente e Diretor do Programa de Mestrado em Paz, Desenvolvimento, Segurança e Estudos Internacionais de Conflitos na Universidade de Innsbruck, na Áustria) o componente central do campo relevante para os EPC é a importância de se concentrar na paz dentro de si mesmo como um componente crítico de qualquer trabalho de paz que vá além do ego.

E é justamente Wolfgang Dietrich que lidera um dos mais recentes desenvolvimentos da teoria e na prática dos EPC é a Filosofia das Muitas Pazes, que apresenta cinco lentes através das quais é possível ver a realidade da paz pela história e nas culturas - Paz Energética, Paz Moral, Paz Moderna, Paz Pós-Moderna e Paz Transracional. A Editora Paz & Mente irá lançar com exclusividade na América Latina o livro “Muitas Pazes” e um curso especial para apoiar a compreensão  desta filosofia.

Mas isso é tema para um outro post! Fique de olho em nosso blog, Facebook e Instagram para ler mais sobre os Estudos de Paz e Conflito, Ciência Contemplativa e Equilíbrio Emocional.